Um Novo Saber

sábado, 22 de janeiro de 2011

NOVO ARTIGO


ZONA DE REBAIXAMENTO
Se estivéssemos em um campeonato de futebol estaríamos, de novo, na zona de rebaixamento. Essa é uma conclusão fácil de chegar ao conferir os últimos resultados do exame internacional de Avaliação de Alunos (PISA) - patrocinado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que traça, a cada três anos, um panorama mundial da educação, já comentado, recentemente, neste espaço. Estamos classificados em uma das últimas posições do ranking (53º lugar) na relação de 65 países avaliados. Na média, as escolas brasileiras receberam cartão (nota) vermelho – 4.6 para os alunos da 1ª a 4ª série e 4.0 para os alunos da 6ª a 9ª série do Ensino Fundamental.
Foi em 2000 que o Brasil participou pela primeira vez desse tipo de avaliação, ficando em último lugar entre os países participantes, e revelando naquela época que a maioria dos jovens era formada por analfabetos funcionais, ou seja, tinham capacidade de decodificar letras e palavras, sem, no entanto, compreenderem seus significados. Em 2003, permanecemos no mesmo patamar dentre os 32 países e em 2006, atingimos a quarta pior classificação em matemática, no total de 57 países. Somente em 2009, apresentamos pequenos sinais de melhora, já que obtivemos o terceiro maior crescimento da década entre todos os países participantes desde 2000.
 Isso se deve a algumas ações efetivas realizadas pelo governo federal, sobretudo, ao controle de qualidade realizado por meio da criação em 2005 do Indicador de Qualidade - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica– IDEB -, um dos pilares do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE. Cabe, desde então, a ele atribuir uma nota para cada escola, assim como para as redes municipais e estaduais de ensino (média das notas recebidas pelas instituições). Esse índice é calculado com base na taxa de rendimento escolar (resultado do índice de aprovação e evasão da instituição), e no desempenho dos alunos no SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica e na prova Brasil. A instituição de ensino que conseguir alcançar à média seis é considerada a que oferece uma educação de qualidade. A meta do Ministério da Educação é que o país atinja a nota 6 até 2022.
 Embora as notas de todas as escolas públicas brasileiras estejam disponíveis em alguns endereços eletrônicos como: http://educarparacrescer.abril.com.br/nota-da-escola/, a divulgação desses resultados é quase totalmente sonegada ao público interessado.
Portanto, não sou eu quem afirma, é o resultado do IDEB de 2009, quem coloca a Educação do Estado de Mato Grosso do Sul na zona do rebaixamento. Os índices comprovam de forma irrefutável que o nosso sistema estadual de ensino ainda não oferece um ensino de qualidade. A média das 72 escolas estaduais avaliadas foi de 4.40. Algumas escolas consideradas tradicionais atingiram índices baixíssimos, tais como: Escola Joaquim Murtinho/3.7; Escola Lúcia Martins Coelho/2.5; Escola Maria Constança Machado/2.9; Escola Arlindo de Andrade Gomes/2.6. As escolas municipais de Campo Grande, apesar de ainda não atingir a nota mínima, conseguiram um índice médio melhor (5.28) em comparação com as médias das escolas estaduais. No universo das 81 escolas avaliadas, apenas sete escolas obtiveram o índice seis: Escola Danda Nunes/6.3; Escola José Rodrigues Benfica/6.1; Escola Prof. Arassuay Gomes da Costa/6.2; Escola Luiz Antônio de Sá Carvalho/6.3; Escola Etalívio Pereira Martins/6.0; Escola Geraldo Castelo/7.0 (maior índice) e Escola José Evangelista/6.1.
É óbvio que a educação em nosso país está precisando de profundas mudanças e que essas precisam começar em espaço local (estado e municípios). Para isso, a sociedade precisa assumir o papel de controladora dessa qualidade, cobrando dos governantes, dos dirigentes e dos professores a melhor educação para seus filhos. Não basta ficar satisfeito só porque conseguiu uma vaga na escola pública, pois, além da vaga, os alunos têm direito a uma educação de qualidade (direito Constitucional). Os pais têm o direito de entrar na escola, de saber a nota alcançada pela instituição; bem como, de conhecer a formação profissional do diretor e dos professores, de ter acesso a proposta pedagógica e de saber sobre a quantidade de alunos por turma. Precisam estar inseridos na vida escolar de seus filhos, protagonistas que são, tanto quanto os professores, da busca da tão almejada educação de qualidade
Vamos buscar soluções para jogar contra os nossos próximos adversários - declarou, recentemente, o técnico do Vasco. Precisamos inverter esse quadro o mais rápido possível porque não vencemos faz seis jogos(...). Isto porque, antes chegamos a sonhar com as primeiras colocações e agora estamos mais próximos da zona de rebaixamento”, lamentou.
Qualquer semelhança, não será mera coincidência.

Drª Ângela Maria Costa
Professora de Pedagogia da UFMS/CCHS/DED


quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A QUESTÃO ECOLÓGICA DA COMUNICAÇÃO

Dra Maria Angela Coelho Mirault

Aparentemente, a complexidade que envolve a problemática da comunicação não é percebida pelo censo comum do cidadão urbano. Liga-se a tevê, o rádio, se aceita o folheto, o semanário, submete-se à ostensiva propaganda publicitária  imposta pelas muralhas de outdoors e toca-se  a vida.
Aparentemente, nos consideramos imunes aos conteúdos, às mensagens que subliminarmente invadem, contaminam nosso cotidiano e afetam nossa saúde.
A complexidade da problemática da comunicação, contudo, não é um problema dos entendidos, dos estudiosos e acadêmicos; é um problema coletivo com implicações ecológicas, que tem início na pessoa, no cidadão, em seus direitos, mas, também, na salvaguarda de sua individualidade.
Por enquanto, somos todos vítimas de um massacre da publicidade caótica de informações midiatizadas. Quem não se confrontou com suas limitações estéticas e econômicas frente a determinados conteúdos publicitários, certas “verdades” informacionais?
O que dizer da publicidade que se dirige à criança como alvo do seu assédio? Abusiva, naturalmente, porque a criança, embora seja altamente convincente ao pedir, e, muitas vezes, em exigir dos adultos, não é consumidora, não tem juízo de valor, de seleção e opção do que pode ou deve consumir.
De certo que vivemos em um mundo hostil que nos exige desfrutar de coisas que não queremos, não devemos, e, na maioria das vezes, não precisamos. Despreparados, quando muito, nos deparamos com a vitimização de nossa integridade mental, nossa capacidade de distinguir e optar pelo que nos convêm em detrimento da passividade do consumismo desenfreado com que nos deixamos capitular.
O conflito diário proporcionado pela falta de discernimento, entre o que podemos e devemos adquirir e o volume do que nos é apresentado do que não podemos e não devemos consumir, vai se processando sutilmente, avolumando-se em nossa psiquê, transformando-nos em hordas de frustrados consumistas, aos quais - como escape - só resta a aquisição do produto similar, do falsificado, ou ao cometimento do araquiri da aquisição, em suaves e intermináveis prestações, de um bem muito além das possibilidades reais de consumo.
Na verdade, a questão do conteúdo da informação veiculada, indiscriminatoriamente, pela mídia de massa, não é uma questão de somenos importância, na atualidade. Trata-se, sim, de uma questão ecológica.
Ernest Haeckel, já em 1870, definiu por ecologia o estudo das inter-relações entre organismos e o seu meio físico. A esta ciência cabe a investigação de toda a relação entre o animal e seu ambiente orgânico. Sabe-se que nenhum organismo, seja ele uma bactéria, um fungo, um verme, uma ave e o próprio homem, pode existir sem interagir com outros e no ambiente físico no qual se encontra inserido. Ao lugar em que se dá essa interação e troca de energias dá-se o nome de ecossistema, ou seja, determinado local onde ocorrem todas as inter-relações dos organismos entre si, com seu meio ambiente.
Somos seres ecológicos e vulneráveis ao ecossistema das cidades. Nosso habitat é o ambiente físico onde ocorrem essas trocas de informações e apropriações de conteúdos simbólicos. Não fomos nem somos preparados para essa percepção ecológica de vulnerabilidade semiótica a que estamos submetidos, às vezes, subsumidos.
Sintomáticos, reconhecemos os efeitos, mas não conhecemos as causas desse mal estar contemporâneo. A depressão, esse mal do século que coloca o indivíduo em conflito consigo mesmo é retroalimentada pela incapacidade palpável de se alcançar os limites dos apelos que a publicidade impõe. Se não se é (e não se pode ser) tão belo, ou magro, ou rico, ou jovem, como fazer para se ter sucesso e poder desfrutar da mágica de “Truman”, que o conteúdo da mensagem publicitária, convincentemente, nos faz acreditar?
Como continuar vivo, depois dos cinqüenta, quando o “mundo da publicidade” afirma só ser possível aos 15, 30, 40 anos?
O que mais nos preocupa é que a capacidade crítica de discernimento entre o que é real e o mundo irreal e fictício simbolizado pela mídia, não é despertada aleatoriamente. O ser humano, organismo vivo submetido a um ecossistema social de interação, vulnerável e afetável, semioticamente, precisa sobreviver e preservar a sua integridade e a de sua espécie, ou seja, persistir em continuar sendo gente, pessoa, apesar de todos os apelos que lhe determinam o contrário. E isso se aprende, se exercita, se reconhece necessário.
Uma educação ecológica para a mídia é uma necessidade que se impõe. Exercer a prática do debate crítico dos conteúdos, proporcionar meios para o desenvolvimento de análises de todas as mensagens mídiáticas: jornalísticas, televisuais, cinamatográficas, publicitárias, na escola e em casa, é uma tarefa emergente nos dias atuais. Por uma simples questão de sobrevivência, integridade ecológica e terapêutica para nossas curas, ensinando-nos a viver, mesmo submetidos ao ambiente caótico de informações, sem que capitulemos, resgatando-nos de nós mesmos, da vergonha que temos de não sermos tão bonitos, ou tão jovens, ou tão ricos como querem nos imputar.
Esse o grande desafio ecológico do ser urbano, nos dias atuais. Com a palavra os educadores, os políticos, os terapeutas.

COSMOVISÃO - COMO PERCEBEMOS E AGIMOS NO MUNDO

Dra. Maria Ângela Coelho Mirault

Dentre as inúmeras descobertas da Física moderna, a conclusão de que o universo é composto por mais de 90% de matéria "invisível" talvez seja a que melhor nos auxilie no sentido de entender a temática que se apresenta.
A realidade não é o que está fora de nós. A realidade, o "mundo", os outros e o eu fazemos parte de um mesmo e complexo sistema, cada qual se constituindo também em um sistema em si, que interage - e que se deixa interagir - alterando-se mútua e constantemente. O mundo como totalidade e representatividade do que é real para nós é inapreensível aos limitados sentidos humanos, inaptos por natureza a percebê-lo em toda sua inusitada complexidade, não havendo, portanto, uma realidade totalizadora, uma verdade absoluta e unificadora, ou um saber confinado e definido universalmente.
Sob essa análise, o próprio conceito de totalidade é uma abstração limitadora e um equívoco epistemológico originado nas concepções provisórias e incompletas que o homem tem de si e do mundo.
Assim, toda abordagem da realidade é pessoal, incompartilhável e única. Não percebemos as mesmas coisas, não compreendemos do mesmo modo, e nos expressamos sempre de maneira original. Nossa realidade é circunscrita à cosmovisão que possuímos com relação ao todo, abrangendo sobremaneira também nossa concepção de gente. É essa visão particular da realidade e que chamamos por cosmovisão que nos auxilia a organizar o caos circundante, nos aquietando frente ao desconhecido e aplacando-nos o medo. Percebemos, apreendemos, expressamos e suportamos o mundo pela filtragem da cosmovisão que temos de tudo.
Na verdade, estamos o tempo todo recodificando e reconfigurando nossos conhecimentos sobre tudo e sobre todos, em todos os dias, em todas as horas e a cada experiência. Qualquer tentativa de compreensão e expressão do mundo constitui-se teias de significações particulares que temos – sempre provisoriamente – sobre todas as coisas que, de algum modo, destacou-se do caos e nos afeta.
Nesse contexto, o aprendizado é uma tarefa individual e resultante do esforço e da vontade pessoal de organização e sobrevivência. Ninguém tem o poder ou a capacidade de ensinar, mas sim o potencial de promover em si a aprendizagem de que necessita para se manter vivo, em contínuo processo de metamorfose e acomodação de sistemas prévios. À medida que vamos adquirindo novas informações, passamos por experiências novas, reconfiguramos permanentemente todo nosso repertório de conhecimentos anteriores, o qual, reelaborado, amplia nossas concepções sobre tudo, alterando-nos a cosmovisão, e, conseqüentemente, nossa relação com coisas e pessoas, sempre vulnerável a novas aquisições e complementações futuras. Desse modo, somos hoje diferentes do que fomos ontem, ou agora, tanto quanto o seremos amanhã, ou daqui a 1000 anos, por exemplo.

Educação para o consumo consciente e responsável

Dra. Maria Angela Coelho Mirault

O consumismo é o senhor absoluto do desperdício. Consome-se mais pela representação – pelo simbólico - do que pelo conteúdo em si. A propaganda “só na casa do Pedrinho...” é um exemplo da utilização do personagem infantil, para a indução de venda de um produto de consumo do adulto. Não cabe à criança escolher e decidir por uma marca, ou um produto; ao adulto responsável pela condução da infância, cabe essa opção. O ensino pedagógico do consumo consciente é uma necessidade ecológica e deveria ser um dos parâmetros de todo o programa de educação na infância. Esse indivíduo, assim educado, respeitará os limites do possível, do necessário e da utilidade. Será senhor do seu consumo, dono de suas escolhas, livre em suas decisões. Quem sabe, essa reflexão proposta pelo ministro não nos seja útil para um novo despertar de nossa condição humana e cidadã, inseridos em um mundo que exigirá de todos nós novos hábitos, novos caminhos, novas escolhas?
Parece óbvio, mas não é. Há muito que a criança vem sendo alvo da má publicidade de produtos, apesar de não ser consumidora. Influindo no processo de venda e compra junto aos adultos, acaba por impor sua vontade na decisão da família, tornando-se, com a prática, uma consumista contumaz e totalmente alienada do seu próprio referencial de mundo, de coisas e pessoas.
O consumista é o indivíduo que, guiado pela emoção, abdicado de sua capacidade de discernir e de sua liberdade de escolha consome, desenfreadamente, o produto ou o serviço que não precisa, mas que deseja, por imposição de outro. Esse outro pode ser um indivíduo, ou uma cativante mensagem publicitária. Mas, acima de tudo, um outro que é ele mesmo e que permanecerá em conflito consigo próprio em todas as situações em que se exponha ao hábito e à prática de um possuir desequilibrado, vítima de si, pela vontade de ter aquilo que não teria condições de adquirir. O consumismo é o senhor absoluto do desperdício. O desperdício é, de certo modo, uma prática irrefletida, inconsciente e inconseqüente, que denota imaturidade, incompetência e alienação, além de constituir uma afronta social.
Consome-se mais pela representação – pelo simbólico - do que pelo conteúdo em si. Um carro não é mais um veículo de locomoção, sua marca revela um poder e um status nem sempre coerente e condizente com os recursos do seu usuário. A grife exposta no produto fala mais do que a própria indumentária, o acessório.
Em contrapartida, tem surgido no mundo, um outro grupo de pessoas que, ao invés de abdicar do seu direito de escolha e de sua capacidade de discernimento, faz o caminho contrário. São os praticantes do consumerismo, um movimento que busca desenvolver uma consciência sobre os males do consumo alienado, em prol de uma prática de consumo consciente e responsável, com vistas ao bem comum. A esse movimento, filiam-se pessoas que podem, mas optam por não consumir aleatoriamente. Surgido nos Estados Unidos há mais de quarenta anos, iniciou-se com a edição da revista Consumer Reports, sem intenção comercial. Elaborada por um grupo de voluntários, com o auxílio de analistas, publica o resultado dos testes de numerosos produtos, compara marcas e orienta o comprador sobre aspectos técnicos e jurídicos.
Em nosso país, o Código de Defesa do Consumidor veda ao público infantil a comercialização de produtos, considerando que a criança não tem capacidade de avaliação, negociação nem decisão na compra. Ela não tem recursos próprios para isso, é dependente do mundo adulto. Desse modo, a publicidade que lhe tem como alvo é enganosa e passível de penalização pelos próprios órgãos de auto-regulamentação publicitária, o próprio CONAR.
Recentemente, o ministro da saúde, iniciou um debate, que vale a pena ser acompanhado, ao propor que a publicidade de produtos comestíveis tenha restrição de horário para veiculação. Sua justificativa: a criança é alvo fácil desse tipo de mensagem publicitária. Ou seja, age como intermediária da decisão do adulto. Põe em risco sua saúde e adoece consumidora de fast food.
A propaganda "só na casa do Pedrinho..." é um exemplo da utilização do personagem infantil, para a indução de venda de um produto de consumo do adulto. Quem não conhece o poder de convencimento de uma criança para satisfazer um desejo? É com esse poder de indução que as empresas contam ao pagarem a criatividade dos agentes publicitários que melhor saibam usar esse recurso de venda.
A infância vai sendo, então, confrontada por pseudo-necessidades, sub-repticiamente, lastreando a formação de um caráter consumista e insatisfeito, gerando pessoas frustradas pela incapacidade vigente de satisfazer esse ou aquele desejo de posse e possuir esse ou aquele produto de marca.
Não cabe à criança escolher e decidir por uma marca, ou um produto; ao adulto responsável pela condução da infância, cabe essa opção. Vedar as mensagens publicitárias intencionalmente dirigidas ao público infantil seria uma atitude saneadora que preservaria a infância como o momento de vida de vir a ser, de construção de um caráter cidadão e desalienado. O ensino pedagógico do consumo consciente é uma necessidade ecológica e deveria ser um dos parâmetros de todo o programa de educação na infância. A criança que aprende a consumir, guiada pelo bom senso do adulto, será o cidadão que saberá utilizar com economia os recursos comuns de toda a sociedade, imperativo, este, de um futuro que já chegou. Esse indivíduo, assim educado, respeitará os limites do possível, do necessário e da utilidade. Tornar-se-á capaz de lidar com a adversidade, suas possibilidades e seus desejos. Será senhor do seu consumo, dono de suas escolhas, livre em suas decisões.
Quem sabe, essa reflexão proposta pelo ministro não nos seja útil para um novo despertar de nossa condição humana e cidadã, inseridos em um mundo que exigirá de todos nós novos hábitos, novos caminhos, novas escolhas?

A (má) influência da mídia e nossa integridade ecológica

Dra. Maria Angela Coelho Mirault
            Poucos podem ter reparado, mas não pude deixar de observar, e, de certo modo, constatar, que a exposição publicitária de uma empresa comercial de produtos eróticos, que invadiu agressivamente nosso cotidiano no final do ano (2009), anunciou-se, na semana antecedente à Páscoa (não vi, agora, para o Dia das Mães), pelos outdoors, em nossa cidade, de forma mais comportada, sem pipius, ou qualquer outro bichinho metaforizado e suas dúbias mensagens. Dessa vez a imagem do coelhinho cumpliciava-se à universal letra da música infantil: “coelhinho da Páscoa que trazes pra mim?”, sugerindo, certamente, como presente, uma saudável cenoura. Menos mal. De igual modo, ao contrário do que ocorreu ano passado, nesta época, a homenagem de um deputado dirigida às mães (TRE, já pode?), traz em substituição de sua foto, a imagem mais adequada de uma mulher com uma criança nos braços. Pois bem, devo reconhecer estes cuidados, como conquista desse espaço oferecido ao leitor, por este jornal. De alguma forma, gostando ou não, vamos influindo, como educadores que somos – todos - uns dos outros, ao provocarmos reflexões até mesmo com nossas indignações.
Aparentemente, a complexidade que envolve a problemática da avalanche informacional a que somos submetidos cotidianamente não nos é percebida como uma questão de sobrevivência ecológica. Ligamos a tevê, o rádio, passamos, distraidamente, pelos outdoors, submetidos inexoravelmente à ostensiva propaganda publicitária. Assim, tocamos a vida, como se pudéssemos vivê-la – e a vivêssemos - imunizados a toda essa influência midiática, que invade e agride, muitas vezes, nossa integridade física, psicológica e cidadã.
A miditiazação da informação (qualquer que seja) é, mais do que nunca, um problema que afeta a todos nós. O conflito diário proporcionado pela falta de discernimento, entre o que podemos - ou não - e devemos – ou não - adquirir e o volume do que nos é apresentado, vai-se processando sutilmente, avolumando-se em nossa psiquê. Transformados em hordas de frustrados consumistas, vamos mensalmente cometendo o araquiri da aquisição de um bem muito além das possibilidades reais de consumo, ou, ainda, utilizando-nos da substituição do verdadeiro pelo falsificado. Quem não se confrontou com suas limitações estéticas e econômicas frente a determinados conteúdos publicitários, certas verdades informacionais? E nessa economia boazinha e feliz, tudo pode ser comprado, por meio do financiamento de intermináveis prestações; da pajero ao cachorro-quente. E se todo mundo pode, e se todo mundo tem, por que não nós? E dá-lhe crédito; toma financiamento; vai cartão.
De certo que vivemos em um mundo hostil, adolescentizado, que nos exige desfrutar de coisas que não queremos, não devemos, e, na maioria das vezes, não precisamos e nem podemos ter. Despreparados, quando muito, nos deparamos com a vitimização de nossa integridade mental, nossa capacidade de distinguir e optar pelo que nos convêm em detrimento da passividade do consumismo desenfreado com que nos deixamos capitular.
Sintomáticos, reconhecemos os efeitos, mas não conhecemos as causas desse mal estar contemporâneo. A depressão - esse mal do século que coloca o indivíduo em conflito consigo mesmo - é retroalimentada pela incapacidade palpável de se alcançar os limites dos apelos que a publicidade impõe. Se não se é (e não se pode ser) tão belo, ou magro, ou rico, ou jovem, como fazer para se ter sucesso e poder desfrutar da mágica que o conteúdo da mensagem publicitária, convincentemente, nos faz acreditar? Como continuar vivo, depois dos cinqüenta, quando o mundo da publicidade afirma só ser possível ser feliz aos 15, 30, 40 anos? O que dizer da publicidade que se dirige à criança como alvo do seu assédio? Abusiva, naturalmente, porque a criança, embora seja altamente convincente ao pedir, e, muitas vezes, em exigir dos adultos, não é consumidora, não tem juízo de valor, de seleção e opção do que pode ou deve consumir. É, portanto, enganosa, chantagista; violenta e interfere no trato familiar.
A complexidade da problemática da midiatização da informação é um problema coletivo com implicações ecológicas, que tem início na pessoa, no cidadão, em seus direitos, mas, também, na salvaguarda de sua individualidade, principalmente, naquele que passa pela infância e sua família, ou seja, na educação.
Quando afirmo tratar-se de uma questão ecológica, recorro ao entendimento da ecologia como a ciência que tem por objeto o estudo das inter relações entre organismos e o seu meio físico, cabendo-lhe investigar toda a relação entre o animal e seu ambiente orgânico. Assim, nenhum organismo - seja ele uma bactéria, um fungo, um verme, uma ave e o próprio homem - pode existir sem interagir com outros e no ambiente físico no qual se encontra inserido. Ao lugar em que se dá essa interação e troca de energias dá-se o nome de ecossistema, ou seja, determinado local onde ocorrem todas as inter relações dos organismos entre si, com seu meio ambiente. Somos, portanto, seres ecológicos e vulneráveis ao ecossistema do qual somos integrantes e interativos. Nosso habitat é o ambiente físico, mas também, o ecossistema semiótico – o mundo dos signos - onde ocorre essa troca e apropriação de conteúdos simbólicos. Não fomos nem somos preparados para essa percepção ecológica de vulnerabilidade semiótica a que estamos submetidos, e, às vezes, subsumidos, no tempo e no espaço do nosso cotidiano.
Na verdade, a questão do conteúdo da informação veiculada, indiscriminadamente, pela mídia (de massa, ou não), não é uma questão de somenos importância, na atualidade. Trata-se, sim, de uma questão ecológica, para a qual estamos inadaptados e despreparados. O que mais nos preocupa é que a capacidade crítica de discernimento entre o real e o fictício simbolizado pela mídia há que ser aprendido. O ser humano, organismo vivo submetido a um ecossistema social de interação, vulnerável e afetável, semioticamente, precisa sobreviver e preservar a sua integridade e a de sua espécie, ou seja, persistir em continuar sendo gente, pessoa, tal como seja, apesar de todos os apelos publicitários e toda marketagem lhes determinarem o contrário. E isso tem de ser aprendido. Isso tem de ser exercitado. Isso tem de ser reconhecido necessário, pela família, pela escola, pela sociedade.
Uma educação ecologicamente semiótica para que estabeleçamos um diálogo pessoal e saudável com a mídia é uma necessidade que se impõe, à sociedade atual. Exercer a prática do debate crítico dos conteúdos, proporcionar meios para o desenvolvimento de análises de todas as formas em que as mensagens mídiáticas nos alcancem: jornalísticas, televisuais, cinamatográficas, publicitárias, na escola e em casa, é uma tarefa emergente. Por uma simples questão de sobrevivência, integridade ecológica e terapêutica para nossas curas, ensinando-nos a viver, mesmo submetidos ao ambiente caótico de informações, sem que capitulemos, resgatando-nos de nós mesmos, da vergonha que temos, por não sermos tão bonitos, ou tão jovens, ou tão ricos como querem os apelos midiáticos nos imputar.




MARIA ANGELA COELHO MIRAULT PINTO
Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
Integrante do Núcleo Regional da Aliança pela Infância de Mato Grosso do Sul





VOCÊ E A ESCOLA DO SEU FILHO SABEM O QUE É BOM


Ângela Maria Costa*
 Maria Angela Coelho Mirault**

O ser humano não nasce pronto para a vida natural, e por isso é considerado ao nascer, o animal mais imaturo e dependente dentre todos os animais, porque apesar de nascer com pés e mãos e os sentidos da visão, audição e tato, como todos os outros animais, necessita de pelo menos oito anos de cuidados e atenção da mãe, da família ou de substitutos, para poder sobreviver, sem ajuda externa, em seu meio natural.
O filhote humano precisa, portanto, para manter-se vivo, imediato ao seu nascimento biológico, passar por um segundo nascimento e mergulhar num mundo sígnico, o mundo da cultura, que recebe como herança do grupo, do qual passa a fazer parte. É neste lugar que receberá todas as informações necessárias à sua adaptação à vida em sociedade.
Desde então, estará submetido aos (qualquer que seja) processos sociais de aprendizagem, que se instalam em um ambiente semiótico previamente organizado, sob o domínio de trocas de símbolos, de intenções, de padrões culturais e relações de poder.  Serão estes, que fornecerão os parâmetros de conduta com os quais, esse indivíduo pautará toda sua existência. Neste percurso, ao longo de toda uma vida, submeter-se-á aos valores vigentes sociais do seu grupo. 
Observa-se, então, que tudo se aprende aos poucos e é adquirido pela vivência de muitas e diversas situações de trocas entre seus iguais – quem sabe, ou domina, ensina. A educação natural tem seu maior exemplo na aprendizagem da língua materna, que apesar de sua complexidade é repassada (ensinada) pela mãe, no contato diário. Assim, também, são ensinados às filhas os costumes e as normas sociais (o modo de ser mulher), naquela determinada sociedade. Ao pai, durante esse processo, cabe a tarefa ancestral, dentre outras, de ensinar ao filho a polir a ponta da flecha, a pescar, a caçar... a aprender a ser homem.
Pode-se afirmar que todos nós, oriundos de uma tribo, ou de uma metrópole, nascemos de um meio físico (natural) para mergulharmos em um meio simbólico (cultural). Aprendemos, assim, muito cedo, um modo de falar, de ouvir e introjetar as crenças do nosso grupo. Arbitrariamente, porque se processa fora de nós, nossas percepções sobre o que é verdadeiro ou real são modeladas por esse mundo semiótico, traduzido, na maioria das vezes, por instituições manipuladoras dos signos da tribo a que pertencemos.
Com o tempo, e até para sobreviver, aprendemos a obedecer a um conjunto de abstrações verbais e não-verbais, que, aos poucos, vão se transformando em uma identidade ideológica, da qual ninguém estará imune, e que se derivarão os (nossos) preconceitos. A nossa cultura será a lente pela qual enxergaremos e entenderemos (ou não) o mundo a nossa volta e todos os outros mundos que se conectam com este.
Desse modo, podemos definir Educação como o conjunto de ações organizadas no interior de toda e qualquer sociedade com o objetivo de tornar os indivíduos biológicos aptos a viverem no mundo da cultura, sob as condições existentes, num certo momento e espaço definidos. Por isso, não se pode dizer que exista um padrão universal de Educação. A valoração que cada grupo social dá ao seu repertório cultural categorizará certo tipo de sujeito, constituirá as características mais marcantes de um povo. Sob essa valoração, no encontro e contato entre povos, alguns submeterão outros, fazendo da educação um recurso a mais de sua dominação.
Falar de Educação no mundo de hoje requer o entendimento do mundo em que estamos vivendo. O que deve ser valorizado como significativo na formação do homem desse terceiro milênio, serão os mesmos que serviram para os séculos anteriores?  E, nós, estamos nos preparando para nele sobreviver?
Estamos em meados de janeiro e muitos pais já escolheram a escola em que seus filhos irão estudar. Mas, será que essa escolha foi feita com plena consciência do que a escola pretende, ou pode e se propõe a fazer, para a preparação dos nossos filhos a viverem nesta segunda realidade? Será este ambiente cultural coerente com a formação que a família quer oferecer?
Muitas vezes, verifica-se apenas o espaço físico da escola: se está limpa, pintada, com mobiliário em perfeito estado; se o pátio é amplo; se é dotada de biblioteca, cantina, sala de informática. É mais comum do que se pensa, deixar-se em segundo plano o que realmente importa: qual a formação profissional do diretor e do professor responsável pela turma, e, mais ainda, que modelo de educação estará pautado na metodologia que será utilizada na aprendizagem?  Estas são questões cruciais dentro desse contexto cultural-escolar em que as crianças passarão, não apenas parte do dia, mas parte de suas vidas, porque todas essas pessoas, com suas crenças e com seus métodos, influenciarão significativamente no presente e no futuro de nossos filhos, forjarão suas personalidades, interferirão nas concepções de mundo e de vida que terão .
Não é o que dizemos às pessoas que conta; é o que conseguimos que elas façam. O que elas aprendem a fazer é a mensagem da aula, como diria McLuhan – “o meio é a mensagem”. A mensagem subliminar contida no fazer pedagógico cotidiano da escola e mediada pelo professor (com todas as suas crenças e preconceitos) é comunicada silenciosa e implacavelmente - com maior eficácia - através da estrutura de uma aula, assim como no papel que o aluno se submeterá, pelas regras do jogo verbal, pelos direitos e deveres implícitos, pelos atos que são valorizados, elogiados ou censurados.
As crenças, sentimentos e pressupostos são componentes da atmosfera que se respira num ambiente de aprendizagem, determinantes da qualidade de vida que se desenrola nesse mesmo ambiente. Quando o ar está poluído, o aluno é envenenado e as conseqüências são letais em sua alma, com reflexos imprevisíveis na sociedade.
De qualquer forma, não dá para arriscar em assunto tão sério. Afinal, estamos falando do homem de amanhã, daqueles que herdarão a Terra e que, por nossa causa, terão muito que fazer.


*Doutora em Educação – lamarc@terra.com.br
** Doutora em Comunicação e Semiótica – mariaangela.mirault@gmail.com.